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Análise do Discurso Digital: A relação da netnografia, neromarketing e cibridismo com o eu enunciador

Análise do Discurso Digital: A relação da netnografia, neromarketing e cibridismo com o eu enunciador
Cristiana Frazão
mar. 24 - 14 min de leitura
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Quando se fala em análise do discurso na linguística, mas especificamente de linha francesa, estamos nos referindo a conceitos bastante inovadores do ponto de vista linguístico, pois é a partir da autora francesa Marie Anne Paveau que se inicia essa discussão do dizer no ambiente tecnológico.

Embora as abordagens de análises são diferentes na linguística e no marketing ainda assim é possível fundir os conceitos e extrair o melhor deles para uma compreensão melhor do sujeito em meio a conceitos que parecem distantes da prática no mundo dos negócios. É aqui nesse ponto, que queremos chegar e tentar de alguma forma a integração entre as duas áreas, a fim de elucidar melhor os conceitos, mas além de tudo a sua usabilidade em formas práticas.

Marie Anne Paveu (2020) usa o termo tecnodiscurso para definir a natureza virtual e suas particularidades quanto à relacionalidade e suas características inéditas, como clicabilidade e imprevisibilidade. Baronas adverte o distanciamento entre discursos pré-digitais e não-digitais dos discursos digitais e sublinha que Paveau não pretende criar mais uma taxonomia, mas compreender as relações entre sujeito, linguagem, máquina e sociedade. E é exatamente por meio dessa perspectiva do Baronas que nossa análise se dá, haja vista que no ambiente digital tudo é integrado.

Do ponto de vista do marketing [digo marketing no ambiente digital] não existe o sujeito separado da linguagem, máquina e sociedade. Eles se convergem comunicando-se entre si, mesmo que estejamos falando de inteligência artificial ou automações. A respeito disso inclusive existem duas linhas de pensamento no que se refere à definição de inteligência humana e que por esse lado influenciaram o desenvolvimento da computação: a simbólica e a conexionista (HOFFMANN, 1998). A inteligência simbólica tem sua característica pautada na matemática, no processo de descrever de forma abstrata todos os comportamentos inteligentes, ou seja, ela surge a partir da origem dos sistemas computacionais lógicos.

Já a linha conexionista tem raiz na fisiologia humana, ou seja, da forma como nosso cérebro é organizado e como o mesmo funciona, o que consequentemente originou teorias de machine learning[1] (automação mesmo) e redes neurais. Como afirma Marta Gabriel (2020) “essas linhas de pensamento inspiram a evolução da computação seguindo essas duas abordagens: simbólica (programação) e conexionista (aprendizado)”. Isso me remete diretamente aos estudos de Gomes (2020) sobre pré-discursos e representações, em que nos mostra que para a “distribuição” das representações [dentro da publicidade ou no marketing] que formam os esquemas mentais que organizam nosso modo de ver e interagir com ele, em que a pesquisadora nos diz

Paveau compreende que incorporar uma dimensão cognitiva à AD significa considerar os “processos de construção de conhecimentos e sua configuração no discurso a partir de dados recebidos pelos sentidos, pela memória e pelas relações sociais” (PAVEAU, 2013a, p. 9). Para tanto, ela se filia a uma vertente construtivista de linha sociocultural, que faz da cognição um fenômeno discursivo, situado em contextos históricos e sociais. [...] cognição distribuída, os “processos cognitivos extrapolam as mentes individuais e podem ser considerados a partir das relações funcionais de todos os elementos que participam das atividades” (Rocha; De Paula; Duarte, 2016, p. 95). Nesse sentido, a cognição distribuída passa a ser não apenas um fenômeno contextual e social, de interrelação entre os próprios indivíduos, mas entre o ambiente em que estes estão inseridos. (GOMES, 2020, pág. 35)

 

 Essa distribuição das representações se encontra, assim, situado no ponto de articulação entre o cognitivo e o linguageiro.” Isso sugere que a compreensão do cognitivo em termos de esquemas mentais, pois, como já dito, a autora Paveau assume uma perspectiva que entende que a cognição “sai da cabeça do indivíduo” e encontra-se distribuída no ambiente, por meio das ferramentas da tecnologia discursiva, que permitem, em suas palavras, “trabalhar e fabricar pré-discursivos tendo em vista a elaboração dos discursos” (PAVEAU, 2013, p. 146).

Quando nos deparamos com argumentos linguísticos como o da Dra. Júlia Costa (UFSCar), ao tratar da concepção de dualismo, em que a mesma discute a polarização entre real (o mundo dos seres e das coisas) e virtual (o mundo dos algoritmos), entre off-line e on-line, entre físico e digital, uma espécie de binarismo global, para pensar a noção de sujeito e enunciador a partir da proposta da análise do discurso digital (ADD) de Marie-Anne Paveau, parece-nos que a Dra Julia quer é evidenciar que Paveau, ao se apoderar de uma perspectiva pós-dualista, pensa o discurso digital como uma imbricação entre homem e máquina, visto que os tecnodiscursos são discursos co-construídos junto às implicações técnicas, distanciando de uma compreensão de que a máquina seria apenas o suporte da interação.

Entretanto, pensar por essa óptica, Paveau reprova o dualismo, tendo em vista que separar os mundos real e virtual limitaria o sujeito quanto a sua cognição e percepção. E é exatamente essa percepção que a aproxima dos profissionais marketing especializados no ambiente digital, daí a importância de expressões, ou por assim dizer ciências, como a netnografia, neuromarketing e cibridismo. Esses três termos ultimamente têm sido demasiadamente estudados e analisados no campo dos negócios, mas na linguística possivelmente não fazem tanto sentido, porém vamos tentar mostrar a proximidade que existe em ambas as áreas e que se estudadas juntas possivelmente nos daria respostas muito mais assertivas.

Talvez os especialistas em marketing digital possam contribuir para derrubar essa barreira de dualismo que ainda existe na Análise do Discurso quando se refere a linguagem no ambiente digital. Para os especialistas não existe on e off, existe o Cibridismo que nada mais é que a convergência dos dois ambientes formando apenas um.

É claro que ainda temos os dois ambientes, aquele formado por bits e bytes e aquele formado por átomos, entretanto é a hiperconexão entre ambos e sua disseminação e proliferação nas plataformas digitais que permite ao ser humano transferir parte de si para o mundo digital (Gabriel, 2020). Então o que vem a ser cíbridos?

[...] são híbridos de material e ciberespaço, são entidades que não poderiam existir sem reconciliar a nova classe de símbolos com a materialidade que carregam. [...] Cíbridos são mais que simplesmente uma separação completa (entre material e simbólico). Entre esses dois podemos ter componentes compartilhados. (ANDERS, 2013 apud Gabriel 2020, pag. 239).

 

Em recente apresentação na ABRALIN, a Dra Júlia Costa apresenta inquietações sobre enunciador digital, discussões mais recentes da pesquisadora Marie-Anne Paveau. Sua fala na mesa se pauta no verbete dualismo digital e parte da polarização entre real e virtual. Gabriel (2020) enfatiza isso ao dizer que

não somos mais ON ou OFF - somos ambos ao mesmo tempo, simbolicamente, formando um ser maior que nosso corpo/cérebro biológico, nos expandindo pra todo tipo de dispositivo conectado e abrangendo outras mentes e corpos [...]. [...] nossa essência quer circular livremente, sem rótulos ou limitações físicas, para obter uma experiência melhor, uma vida melhor, seja ON ou OFF line [...] e isso amplia as possibilidades de interação e geração de fluxos de informação. (GABRIEL, 2020, pág. 240).

 O problema aos olhos dos especialistas de marketing é que a Dra Julia enxerga um eu diferente nas redes sociais. Tudo bem que nessa proposta dela a enunciação é questionada, uma vez que a identidade única do eu e as noções de tempo e espaço são modificadas no universo digital como ela apresenta, o que tem implicações no uso da linguagem. Sendo assim, a noção de enunciador é, para Paveau, ampliada, pois a pesquisadora considera as dimensões individual e coletiva, corroborando a ideia de ampliação característica dos tecnodiscursos, por exemplo, por meio dos comentários ou da escrita colaborativa online. Júlia segue expondo e discutindo teoricamente ao analisar algumas manifestações digitais, momento em que exemplifica como as noções de eu enunciador, de lugar, de espaço da enunciação são ampliadas em uma manifestação realizada em diversas redes sociais, como Twitter e Facebook, e, ainda, na janela de casa, por meio da participação em um panelaço. Ou seja, ela analisou apenas comentários, situações em que o eu enunciador era um posicionamento de pessoas a respeito de uma determinada situação. Isso é um caso muito específico a ser analisado dentro do ambiente digital e ele, por se só não é o suficiente para nos dar respostas, mas mesmo assim aponta para que mostrar existe um cibridismo fortemente atuando, mas tendo em vista que o que desejamos por meio deste escrito é elucidar sobre as características dos tecnodiscursos e dos pré-discursos existentes no ambiente digital relacionados à netnografia, neuromarketing e cibridismo, haja vista que o eu enunciador analisado não é específico a situação A ou B, isso existe inclusive em perfis de empresas e corporações nas redes sociais, ou seja elas escolhem o tom de voz, o tipo de linguagem que vai usar, quais arquétipos e define uma persona que sustente a imagem da empresa, e essa persona é feita em cima dos dados netnográficos.

Por que estamos esboçando isso? Pelo simples motivo que um eu enunciador empresa para se apresentar nas redes ela vai além de criar um perfil. Existe todo um estudo pra entender como o público-consumidor dela se comporta no ambiente digital e é aí que entra a netnografia, ou seja, ciência advinda da antropologia que estuda as diferenças que formam a identidade de um grupo, usando como metodologia um processo antropológico de apreensão da realidade e a análise dos dados coletados no ciberespaço. O cruzamento dessa informação é que chamamos de netnografia, brilhantemente estudado pela doutora brasileira Valéria Brandini. Isso implica em questões muito maiores, mapear o comportamento dentro das redes digitais é um trabalho hoje não muito difícil de ser realizado, mas precisa de uma análise profunda, pois é por meio dele que se consegue descobrir comportamentos de compra, posicionamentos políticos, um mapeamento geral com base em dados que o próprio sujeito fornece ao utilizar os dispositivos digitais. Como bem ressalta Gabriel (2020) o mapeamento dos códigos realizados na etnografia digital não é diferente daquele realizado no mundo presencial por meio dos “diários de campo” típicos dos antropólogos, que, caso não sejam realizados por antropólogos não passam de um amontoado de dados. Isso nos diz, que a etnografia busca o reconhecimento de padrões de cultura, de sociabilidade, de linguagem, de comportamento que representam um grupo cultural, uma tribo, uma sociedade, só que no ambiente digital, então aquele ambiente em que ele está inserido vai influenciar sim algumas atitudes, alguns posicionamentos, da mesma forma que acontece no mundo real. A diferença é que nas redes o eu enunciador do sujeito, ou seja, o seu ethos extrapola algumas regras e por isso analisar no ambiente digital é tão importante. Mas ethos não é assunto para outro momento, talvez uma análise específica desse sujeito, desse eu enunciador digital possamos realizar em momento posterior.

E como entender o neuromarketing em meio as duas áreas. O mais importante que devemos saber é que a aplicação da neurociência no marketing querer equipes multidisciplinares para conectar as duas áreas, assim como a quando estudamos cognição, memória e linguagem. A forma de estudo é cientifica e cheia de testes com equipamentos para analisar a reação cerebral, mas o importante aqui é entender que a contribuição para o marketing é com o objetivo de esclarecer a “influência do inconsciente no julgamento da decisão humana por meio de heurísticas e vieses cognitivos” (Gabriel;Kiso, 2020). Ora aqui nos vemos na mesma direção dos estudos de linguagem, cognição e memória aprofundados por Mussalim.

Enfim, a ADD e o marketing digital estão muito mais imbricados do que se imagina, e para analisá-lo profundamente o discurso no ambiente digital é necessário uma convergência de profissionais de áreas diferentes e não em uma área isolada. Talvez, no final das contas, todos estejam falando das mesmas coisas, só que de forma diferente. O que devemos considerar sempre nesse contexto digital é a produção dos discursos e a algoritmização dos sentidos. E como em toda área científica há divergências entre os da mesma área, isso ocasionalmente acontecerá com áreas distintas naturalmente.

 

 

 

Referências:

  1. DIAS, Cristiane. Análise do discurso digital: sujeito, espaço, memória e arquivo. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2018.
  2. GABRIEL, Martha. Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital. São Paulo : Atlas, 2020.
  3. GABRIEL, Martha; KISO, Rafael. Marketing na era digital: conceitos, plataformas e estratégias. 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2020.
  4. GOMES, Cristiana Frazão. (Des)cristalizações de estereótipos femininos nos comerciais de televisão da Skol de 2017. – Cuiabá, MT : Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
  5. HOFFMANN, Achim. Paradigmans of Artificial Intelligence: a methodological anda computaticional analysis. Heidelberg: Springer Verlag Pod, 1998.
  6. PAVEAU, M. A. Os pré-discursos: sentido, memória e cognição. Campinas: Pontes, 2013a.

 


[1] O termo foi cunhado por Arthur Samuel, em 1959, e ele o define como um “campo de estudo que dá aos computadores a habilidade de aprender sem serem explicitamente programados” (GABRIEL, M.; KISO R.; 2020)


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