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“Netnograkids”: as crianças no Tik Tok

“Netnograkids”: as crianças no Tik Tok
Alessandro Paveloski
abr. 7 - 8 min de leitura
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“Yeah, I'm gonna take my horse

To the old town road

I'm gonna ride 'til I can't no more

I'm gonna take my horse to the old town road

I'm gonna ride (Kio, Kio) 'til I can't no more” 

(Montero Lamar Hill et al., 2019)

(Guarde esses versos acima porque você vai precisar deles para entender a história)

Em 23 de maio de 2019, a educadora Felecia Evans, da Lander Elementary, uma escola infantil dos subúrbios de Cleveland, Ohio, foi ao Twitter comemorar o momento que marcou o encerramento do Show de Talentos com as crianças cantando em coro uma canção (cito o trecho da música no início desta publicação, brincando com as normas bibliográficas da ABNT). A publicação está aqui:

https://twitter.com/EduLeadingLady/status/1131675369042587649

O post do Twitter não se tornou apenas viral. Virou notícia. E se acompanhar os replies do tuíte da educadora Felecia Evans, verá que tem gente da Fox pedindo autorização para publicar. Saiu na CNN, na ABC, no The Guardian, em tevês regionais e na mídia do planeta Terra, em vários idiomas.

Apenas uma semana após o boom do post no Twitter, no dia 29 de maio de 2019, o cantor original da música Old Town Road, o rapper Lil Nas X (o Montero Lamar Hill da citação é ele mesmo), fez questão de realizar aquela que ele mesmo qualificou como “a maior apresentação da sua vida”. Ele foi pessoalmente no mesmo pátio da escolinha, com as mesmas crianças, e fez a alegria da molecada. E você pode ver este momento emocionante, neste tuíte aqui:

https://twitter.com/Complex/status/1133796630942113793

Concluindo esta história, somente em 19 de julho do mesmo ano de 2019, Lil Nas X publicou o video oficial de Old Town Road, que contou com a participação do astro da música country americana, Billy Ray Cyrus (mais conhecido no Brasil como o pai da Miley Cyrus). E o clipe está aqui:

https://youtu.be/r7qovpFAGrQ

Se o clipe oficial só saiu meses depois, onde essas crianças de idade entre 5 e 10 anos aprenderam a adorar essa música, a ponta de cantar assim, emocionadas, como a canção de encerramento do show de talentos da Escola? Simples: no Tik Tok (plataforma que oficialmente só admite maiores de 13 anos e que esse ano endureceu regras para a faixa de 13 a 15 anos). Bem antes de eu, você e boa parte dos pais, tios, avós saberem da existência de Lil Nas X, essas crianças ouviram, fizeram clipes, dublaram e curtiram loucamente Old Town Road.

Mas e daí?

Pois é, quando temos as provas concretas de que as crianças são parte ativa da produção de conteúdo na Internet, e mesmo sendo menores de idade, estão em muitas plataformas (não só sendo bombardeadas por todo tipo de mensagem, mas também já produzindo mensagens e impulsionando marcas e astros da música, como é o caso do rapper Lil Nas X), chegou mais do que a hora de:

  1.  Discutirmos formas de conhecer essa turminha e suas microtribos (elas são muitas)

  2. Saber o que andam aprontando de bom pela rede e, principalmente

  3.  Quais os limites éticos que envolvem pesquisar e conhecer sem temores esses pequenos e, ainda…

  4. Como poderemos usar esses dados não para bombardear os pequenos com mensagens de puro consumo, mas sim, para entendermos pra valer as dinâmicas desses microgrupos de pequenos futuros cidadãos da rede (como disse e repito, eles formas várias tribos e elas são um bocado complexas).

O grande problema é que quando se fala em menores de idade (e sabemos da existência do Estatuto da Criança e do Adolescente) e a privacidade envolvendo crianças e adolescentes, sempre vamos esbarrar em crenças, regras e Leis que estão presentes na sociedade (deixando claro mais uma vez - todas necessárias e que precisam estar no radar, sempre).

Esse conjunto de elementos de proteção criam, já de início, a necessidade de empresas  e pesquisadores tomarem medidas que, de uma forma geral, inibem uma boa produção de netnografia da infância online. Como sei disso? Bom...

... Procurei, em Português e Inglês, pesquisas pontuais sobre o tema, e o que mais encontrei foram textos falando exatamente dos cuidados e da ética que envolve esse tipo de pesquisa. Ou seja, produz-se muitas alternativas de caminhos para se fazer a pesquisa com as novas gerações e não se usa essas trilhas para a pesquisa final, comportamental e netnográfica pra valer.

Encarando a realidade da história no início deste artigo, o primeiro vídeo derruba como uma bola nos pinos de boliche absolutamente todas as crenças pré-estabelecidas de que lugar de criança não é em redes sociais. As crianças estão lá, cantando uma música que aprenderam no Tik Tok, tendo seus rostos expostos numa outra rede mundial (o Twitter), com autorização da própria escolinha e, certamente, com o entusiasmo dos próprios pais. E agora?

Pequenos digitais

Crianças tem direitos claros e bastantes rígidos, mas elas estão na internet. Pronto!

(neste exato instante, enquanto reviso este artigo, por exemplo, paro para comprar Robux, a moeda virtual do Roblox, para minha sobrinha de 11 anos que tem amigos, grupos e toda uma vida social na plataforma, em plena pandemia. E estão lá num processo de socialização de dar inveja às brincadeiras de rua e do intervalo da escola nas gerações passadas.) 

O comportamento delas interessa a pesquisadores da netnografia, com certeza. Tímidos e éticos, interessados no tema sempre pisam em ovos. Artigo de Donkin, Holloway e Green, mostra claramente este cuidado e sentencia: 

“Diferentes métodos quantitativos e qualitativos foram usados ​​para examinar como as crianças usam a Internet. Os métodos de pesquisa mais comuns têm sido: pesquisas, questionários, escalas autodeterminadas (por exemplo, escala Likert), entrevistas e observação. Muitos desses métodos de pesquisa foram empregados separadamente ou combinados, a fim de obter uma maior compreensão do uso da Internet pelas crianças. No entanto, muitos desses estudos, seja por razões éticas ou técnicas, não utilizaram as vantagens da netnografia ao conduzir pesquisas online com crianças (2020).”

Por outro lado, trabalho com análise de dados, um pouco de Big Data e Data Science e sei que é possível ver que tipo de compra os pais estão fazendo no lugar de seus filhos menores. Se grandes varejistas sabem que suas clientes estão grávidas por pequenos indícios na mudança do mix de produtos que passam a adquirir (e nem são itens reveladores como fraldas descartáveis), é muito fácil saber em que momento a Maria (mãe) sai de cena e entra a Gabriela (filha) no uso do cartão de crédito. Acha impossível? Não é!  O que precisamos é dar passos, ainda que cautelosos, para saber o que os pequenos andam aprontando na Internet. 

Fortalecer todo um código de ética é fundamental. Mas não usar este mesmo código, é deixar de registrar um importante momento de uma geração que já nasceu digital. Na década de 80 do século passado, adultos discutiam se uma criança teria uma Barbie ou uma Susie, elevando o nome da Susie, a versão nacional. Hoje, nós adultos (e isso está expresso nos termos de uso da maior parte das redes sociais), expressamos o dilema Susie X Barbie, fingindo que aquele lugar virtual é só para maiores de 18 anos.

Polêmicas à parte. Pesquisar crianças tem seus muitos obstáculos e boa parte são válidos. Não pesquisá-las, é ignorar que são parte da sociedade e estão, cada vez mais cedo, transformando o mundo. 


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