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O impacto da COVID-19 nos modelos de negócio da Economia Criativa

O impacto da COVID-19 nos modelos de negócio da Economia Criativa
Andressa Locks Camargo
out. 8 - 14 min de leitura
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Um dos setores mais fortemente impactados pelas medidas de isolamento e distanciamento social, sem dúvida, foi o da economia criativa. De acordo com o estudo realizado entre maio e junho deste ano, pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), “Pesquisa de Conjuntura do Setor de Economia Criativa”, o segmento da economia criativa, considerados não-essenciais, foram o segundo que mais sofreu pela pandemia, ficando atrás somente do setor de turismo.

A queda no faturamento ficou em torno de 80%, sendo que muitos negócios tiveram perdas financeiras de 100% e entre eles, vale destacar o de eventos e das produções e expressões culturais, setores que requerem maior contato físico e que tiveram e tem dificuldade em fazer a transição para o ambiente online.

Segundo Relatório de economia criativa, elaborado na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Economia Criativa trata de “um conceito em evolução baseado em ativos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento econômico, envolve criatividade, cultura, economia e tecnologia em um mundo contemporâneo dominado por imagens, sons, textos e símbolos”. O documento defende ainda o estímulo a criatividade,  ela “...incentiva a cultura, infunde um desenvolvimento centrado no ser humano e constitui o ingrediente chave para a criação de trabalho, inovação e comércio, ao mesmo tempo em que contribui para a inclusão social, diversidade cultural e sustentabilidade ambiental. ” (UNCTAD, 2010).

Cláudia Leitão e Ana Flávia Machado, no livro “Por um Brasil Criativo” de 2016, a definem como sendo uma atividade econômica que envolve formas originais de pensamento, produção, gestão e compartilhamento de bens materiais e simbólicos.

Nestes modelos de negócio, seu principal ativo é o capital intelectual e cultural. São as ideias, criatividade, competências e o talento individual dos envolvidos no desenvolvimento de produtos e serviços, que além da dimensão econômica, possuem também uma simbólica, de identificação e significação, gerando valor para o público e a comunidade em que estão inseridos.

Em BOLAÑO; LOPES e SANTOS no capítulo “Uma economia política da cultura e da criatividade”, no livro  “Por um Brasil Criativo”, destaca-se que “... Aqui, na Economia Criativa, se prioriza sobretudo a capacidade de indivíduos ou grupos de manipularem símbolos e significados com o intuito de gerar algo inovador (HESMONDHALGH, 2002), ou ainda, segundo a Boston's Creative Economy (apud SANTOS, DUISENBERG, 2008, 15p. 58), como o “processo pelo qual as ideias são geradas, conectadas e transformadas em coisas valorizadas.” (LEITÃO; MACHADO, 2016).

Sempre bom diferenciar a economia criativa de criatividade. Enquanto a criatividade — um dos insumos desta indústria — é uma habilidade relacionada a soluções de problemas e criação de algo novo, a primeira, envolve uma atividade econômica e a geração de valor para o mercado e é formada pelas chamadas indústrias criativas e ocupações que possuem relação com a criação, a produção e a distribuição de bens e serviços criativos.

Seguindo a segmentação feita pela FIRJAN (Federação das indústrias do Rio de Janeiro), base utilizada no país, a economia criativa é composta de 13 segmentos, relacionados à quatro grandes áreas: Consumo, com 43,8% do mercado; seguida por tecnologia, com 37,1%, área de maior destaque e potencial de crescimento; mídias com 11,4% e a cultura, a menos expressiva, com 7,7%. (FIRJAN; SENAI, 2019).

             Fonte: FIRJAN; SENAI, 2019.

O mercado para estes setores era um dos mais otimistas antes da pandemia. De acordo com informações publicadas em matéria do dia 10 de julho de 2018 pelo Jornal Estadão, a estimativa para o Brasil era ter, para os próximos anos, um crescimento acima da média mundial. Informações de um estudo da consultoria PwC Brasil indicavam que o país teria uma expectativa de aumento em torno de 4,6% até 2021, enquanto que no mundo, ela tendia a crescer 4,2%. A pesquisa levou em conta segmentos como mídia e entretenimento, com atividades tradicionais (televisão, cinema e música), e as consideradas de última geração, como os jogos eletrônicos e o grafite (CRUSE,2019).

A pandemia paralisou setores e os cenários que se desenham apontam para uma recessão econômica e uma recuperação lenta. Muitos negócios, principalmente relacionados a cultura, já vinham apresentando queda no faturamento desde 2015 e a sua retomada tende a ser uma das mais tardias. As perdas de postos de trabalho e o fechamento de empresas são diárias. Muitas das atividades econômicas ligadas ao setor, que atuam na prestação de serviço por projeto e demanda, já está sem capital de giro disponível e dificuldade em sobreviver sem receita.

Conforme o estudo realizado pela FGV, espera-se para este ano uma queda no volume de produção das atividades em torno de 43,9%, e uma perda de 31,8% do PIB do setor, totalizando R$ 129,9 bilhões.  Em 2019, o PIB criativo no Brasil era de quase R$ 190 bilhões e para 2021, a FGV estima que deverá ficar em torno de 4,5% abaixo do resultado de 2019, com o valor de R$ 181,9 bilhões. Isso significa uma perda de R$69,2 bilhões, ou 18,2% na produção total do período.

A recuperação econômica é prevista para 2002-2025, caso o setor cresça, em média, 5,42% ao ano (FGV, 2020).

Segundo os participantes da pesquisa sobre a “Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Cultural e Criativo do Brasil”, realizada pela ICCSCOVID-19, nos próximos meses não haverá melhora e as perdas e estagnação continuarão.  No Boletim parcial produzido pela ICCSCOVID-19, em julho de 2020, dados mostram que a grande maioria, 30,2% dos entrevistados, não via melhoras e estimava perdas de 100% do faturamento, entre agosto e outubro deste ano. Outros 25% não tinham expectativa nenhuma de retorno, mas 9,5% deles já via uma melhora entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, acreditando num aumento de receita em torno de 50%. O levantamento contou com 2,1 mil participantes de diversos lugares do país.

         

Fonte: (BOLETIM PARCIAL /ICCSCOVID-19, 2020).

Para sobreviver ao momento atual, empreendimentos que lucravam milhões ao ano e geravam trabalho e renda para milhares de pessoas, (a FIRJAN relaciona um total de 20 atividades diretamente ligadas aos setores e mais 10 outras de apoio), muitos profissionais e empresas, principalmente ligados a eventos, produções e expressões culturais, contam com auxílios governamentais e editais de fomento e incentivo para manter seu negócio.

A Lei Aldir Blanc, foi fundamental para muitos profissionais e empresas. A lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, prevê repasse de R$ 3 bilhões para os estados, municípios e DF, para ser aplicada na forma de subsídio e financiamento de empresas e de espaços artísticos e culturais impactados pela pandemia e como incentivo para a produção cultural local. A verba também poderá ser utilizada para pagamento de três parcelas de auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00, aos trabalhadores informais da cultura que não tenham recebido o auxílio geral.

Vale frisar que tanto o impacto como a recuperação para cada área da economia criativa foram e serão diferentes, dependendo das características de sua atividade. Os segmentos ligados ao consumo e tecnologia, vivem momentos de readaptação e expansão. O setor de tecnologia, por exemplo, em algumas áreas, deu saltos previstos para cinco, dez anos, além do aumento considerável no consumo de tecnologia, com compras pela internet, o uso de streaming e games.

A biotecnologia avançou muito e vêm sendo grande aliada na pesquisa, testes e vacinas para a covid -19, a tecnologia têxtil possibilitou tecidos antivirais, surgiram softwares para a gestão dos Programas de Promoção a Saúde, entre muitas outras inovações que impulsionaram o setor.

Mas quando se trata de áreas que envolvem o ponto e o contato físico, verifica-se uma queda no consumo, necessidade de reformulação de estratégias e planos de ação para retomada do faturamento, que segundo expectativas, será lento e acontecerá aos poucos, variando de acordo com a especificidade do segmento e atividade.

As empresas e profissionais têm testado e experimentado novos formatos de produção e de entrega de seus produtos, serviços e conteúdos ao público final.  A moda, reposicionou seus produtos, criou serviços, ampliou canais e expandiu suas ações de relacionamento com o público; a arquitetura e interiores passaram a diversificar a forma de atendimento, indo do 100% online ao híbrido, além de novos serviços, adaptados para necessidades imediatas e orçamentos. A publicidade e o marketing, que assim como todos, trocou o pneu com o carro andando e teve que mudar o tom de campanhas já prontas para veicular durante o ano, além de não poder mais usar seu ambiente físico para contato com o consumidor, vem se reinventando, focando em experiência e conteúdo relevante para o momento de vida do seu cliente. A venda ao vivo, as live shoppings, foram uma das soluções encontradas e tendem a crescer pela boa conversão e engajamento do público.

O setor de mídias, vive altos e baixos, com queda no consumo de livros e fechamento de livrarias, mas com considerável aumento no conteúdo digital. O audiovisual, buscou no drive-in uma alternativa e adaptou seu processo de produção – medidas como redução de equipe e reformulação ou adiamento de cenas para evitar contato entre os atores foram adotadas para manter o distanciamento e as novas regras de convívio, o que também acarretou num aumento no tempo de produção.

Na cultura, uma das áreas com mais segmentos afetados, os restaurantes adaptaram seu cardápio e investiram no delivery; museus e músicos, aderiram as visitas virtuais e lives, com direito a plataforma de venda de ingressos para shows virtuais.

Em contrapartida, setores da cultura e eventos ainda tentam adaptar-se, mas com dificuldades de migrar para o digital tanto pelo caráter da atividade exercida ou logística envolvida, como por questões financeiras. Os eventos, as artes cênicas, assim como algumas formas de expressão e produção cultural, que dependem do presencial e da aglomeração de pessoas, até para serem viáveis economicamente, estão tendo perdas de até 100% da receita, com contratos cancelados e previsão de que sejam os últimos a voltarem com suas atividades.

Muitas empresas e profissionais, para sobreviver à crise econômica, estão de olho nas possibilidades e oportunidades geradas pela crise sanitária. As mudanças comportamentais foram significativas e o consumidor hoje pensa, vive e compra de modo diferente. A forma como ele se relaciona com o meio, com as pessoas, com o trabalho e a maneira que estabelece conexões afetivas foram alteradas.

O carrinho de compras é repensado, assim como a casa, o look, o entretenimento. Preservação do meio ambiente, cuidar do outro e ter um consumo consciente já são valores cada vez mais adotados. As dores e necessidades que ele precisa resolver são outras, as prioridades trocaram de posição e suas demandas já não são mais as mesmas.

A casa passou a ser ambiente multifuncional, uma oportunidade para arquitetura e interiores atuar com projetos para tornar os espaços práticos, flexíveis e focados na qualidade de vida e atividades do morador. A alimentação voltou para dentro de casa e muitos afirmam que manterão o hábito pela segurança alimentar e saúde (imunidade), o que abre portas para venda de alimentos de preparo rápido, práticos, nutritivos e caseiros.

As novas formas de trabalho e negócios, cada vez mais em rede e sob demanda, possibilitam parcerias e a cocriação de produtos e serviços para agregar valor e trazer benefícios para seu cliente e comunidade. Ações integrando o físico e o virtual, com momentos presenciais seguros e de acordo com as novas regras de convívio. O ambiente físico passa a privilegiar circulação e distanciamento e a loja física é reformulada. Seu layout deverá priorizar a movimentação de clientes e funcionários, sem gerar aglomeração. Acessibilidade amplia seu conceito e as projeções para um fluxo controlado de pessoas torna-se fundamental para que o cliente se sinta seguro e protegido no momento da compra.

As mudanças foram muitas, novas demandas ainda estão sendo moldadas e as adaptações são necessárias. O momento é de traçar estratégias que ofereçam experiências diferenciadas e que estejam disponíveis nos canais em que seu público está presente, gerando oportunidades de ações e ofertas personalizadas e consequentemente, receitas.

O fato que para 2021, o ambiente de incertezas e turbulências ainda rondam o mercado dos criativos e as empresas e profissionais vêm repensando e reposicionando seus modelos de negócio para se manter no mercado, diante dos cenários que se desenham para o próximo ano.

 

REFERÊNCIAS

BOLETIM PARCIAL, ICCSCOVID-19. Pesquisa de Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Cultural e Criativo do Brasil: Resultados preliminares. Jul de 2020. Disponível em: https://datastudio.google.com/u/0/reporting/cea69a61-945a-4b84-aa53-abbced5b95a7/page/4c7WB . Acesso em 04 de out de 2020.

FGV. Relatório sobre os impactos econômicos da covid-19 economia criativa: Pesquisa de Conjuntura do Setor de Economia Criativa. Jun de 2020. Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/economiacriativa_formatacaosite.pdf . Acesso em 04 de out de 2020.

FIRJAN; SENAI. Estudo e pesquisa Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil. Fev, 2019. Disponível em: https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa.pdf . Acesso em 04 de out de 2020.

KRUSE, Tulio. Economia criativa cresce acima da média no Brasil. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,economia-criativa-cresce-acima-da-media-no-brasil,70002396326. Acesso em 04 de out de 2020.

LEITÃO, Cláudia; MACHADO, Ana Flávia (org). Por um Brasil Criativo: significados, desafios e perspectivas da economia criativa brasileira. BDMG Cultural: Belo Horizonte, 2016.

UNCTAD, NAÇÕES UNIDAS. Relatório de economia criativa 2010. Disponível em https://unctad.org/pt/docs/ditctab20103_pt.pdf . Acesso em 04 de out de 2020.


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