Em um dos meus textos aqui na comunidade, escrevi sobre a importância de conhecer a fundo todos os públicos que se relacionam com a sua marca, seja direta ou indiretamente, interna ou externamente. Para tanto, se faz necessário obter dados sobre estas pessoas, a fim de identificar padrões e organizá-las em grupos. Dessa forma, fica mais simples tornar a comunicação mais assertiva e personalizada com cada público.
Uma das metodologias disponíveis para conseguir tais dados é a netnografia. A netnografia é baseada na etnografia — tradicional instrumento de pesquisa da antropologia —, mas aplicada no meio digital. Em poucas palavras, consiste no estudo dos códigos culturais que moldam o comportamento humano, seus valores e sua visão de mundo enquanto grupo.
Por meio de observação, mapeamento e descrição destes códigos, o pesquisador etnográfico pode chegar às preferências daquele grupo quanto à marcas, produtos e temas de interesse, gerando informações valiosas para as estratégias da empresa que patrocina a pesquisa.
Por isso, ao longo dos anos, a pesquisa netnográfica tem sido utilizada principalmente pela indústria, para o desenvolvimento de novos produtos. Um exemplo prático que pode ser citado, é o movimento de aceitação do cabelo natural cacheado ou crespo, que iniciou no Youtube há cerca de dez anos atrás, e culminou em um nicho totalmente novo na indústria de cosméticos brasileira.
As millenials cacheadas que, assim como eu, cresceram na década de 90, ou mesmo antes, sabem que o contexto era completamente diferente deste que vivemos hoje — tudo graças a internet. Não apenas não tínhamos acesso a tantos produtos e conteúdos sobre cuidados com o cabelo cacheado, como havia muito preconceito com quem insistia em mantê-lo natural.
As indústrias da moda e da beleza reforçavam o padrão do cabelo liso ou levemente ondulado, perfeito e sem frizz: uma ideia bastante distante da realidade da maioria das mulheres brasileiras, especialmente as afrodescendentes. Números desta pesquisa realizada pela Unilever com a Kantar, em 2012, mostram que 51,4% das brasileiras possuem o cabelo originalmente cacheado ou crespo.
No entanto, foi só depois da ascensão de conteúdos autorais — e reais — de influencers cacheadas, especialmente no Youtube, que vimos uma movimentação da indústria neste sentido, criando mais produtos e mais propaganda em cima de uma narrativa até então inédita: uma que incentiva mulheres à assumirem seus cabelos naturais como uma forma de empoderamento.
Atualmente, é possível encontrar uma infinidade de produtos, linhas e marcas que levantam a bandeira deste movimento. Muitas destas Youtubers, inclusive, assinaram linhas e produtos em parcerias de co-criação com grandes marcas da indústria.
Isso mostra que, para as marcas, a netnografia fornece mais do que dados que justifiquem o investimento em novos produtos. Ela oferece a base para um planejamento estratégico de como criar, posicionar e comunicar um produto dentro do código cultural do grupo para qual ele se destina.
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Capa: Foto de Noémie Roussel via Unsplash