Marketing na Era Digital
Marketing na Era Digital
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
VOLTAR

Netnografia

Netnografia
Márcio dos Santos Alvarenga
fev. 26 - 10 min de leitura
000

A Netnografia é uma palavra derivada de ¹Etnografia, que significa “instrumento metodológico da ²antropologia que utiliza a descrição densa do objeto de estudo como base para o mapeamento cultural de um grupo”, ³Valéria Brandini (Cientista Social expert em Antropologia Empresarial). A netnografia usa como base a etnografia tradicional, mas faz adaptações consideráveis devido às demandas da Internet. Essas adaptações incluem procedimentos para localizar os campos online, possibilidades de criar filtros de busca de questões e tópicos específicos, capacidade de administrar uma grande quantidade de dados digitais e o que atualmente é um grande desafio, o cuidado com a proteção de dados individuais na Internet (LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Os anos 90 foram marcados pelo aumento do acesso da população à Internet.  Com isso, as pessoas passaram a interagir cada vez mais pelo meio digital, formando guetos, grupos, tribos, culturas e comunidades online. Elas têm deixado rastros, dados e informações ricas através das suas interações.  Esses rastros clicáveis, na maioria das vezes expressam os seus códigos de valores e culturas. Com isso, estas interações ganharam relevância como objeto de pesquisa.

 

  Robert Kozinets, criou o termo Netnografia, já que o objeto de estudo agora está codificado na WEB. Robert Kozinets é um especialista reconhecido mundialmente em mídia social, marketing, branding e inovação. Além de inventar o termo Netnografia, é autor e co-autor de mais de 100 pesquisas sobre a interseção de tecnologia, mídia, marcas e consumidores. Esse termo criado por ele alcançou tão grande visibilidade, que acabou sobressaindo sobre os termos que já existiam anteriormente, tais como: cyber antropologia, antropologia digital e etnografia digital.

“Bilhões de indivíduos unidos em rede,s participam de um mundo complexo que não apenas reflete e revela suas experiências vividas, mas também é, por si só, um fenômeno único social. A netnografia pode ajudá-lo a entender esse mundo e ainda entender os vários contextos em que tornam possível as novas formas sociais que avançam e a substituição das velhas formas. Existem muitos desafios que você vai encontrar ao pesquisar o mundo da interação social online.”  Texto extraído do livro Netnography - Robert Kozinets

 Nessa obra (Netnography), Robert Kozinets destaca que por meio da tecnologia, nós mudamos o nosso ambiente humano, social e físico e que esse ambiente tecnológico também nos muda, selecionando pessoas que são mais capazes de ter sucesso dentro dele. Ele ainda explica que a Netnografia é colocada intelectualmente dentro deste estudo da co-evolução da transformação e adaptação da tecnologia humana.

O Case Campbell

A empresa Campbell Soup Company, também conhecida por Campbell's, é uma empresa norte-americana que produz sopas enlatadas e produtos relacionados. Seus gerentes de marca concluíram que pesquisas tradicionais como focus groups não estavam mais fornecendo os insights que eles precisavam. Segundo eles, parecia estar faltando um ingrediente.  Portanto, decidiram usar a Netnografia para ajudá-los a entender como a Internet estava transformando os hábitos e escolhas do dia a dia de seus clientes. “Costumávamos ser realmente relevantes com os consumidores em relação ao planejamento de refeições e nos tornamos menos relevantes com o tempo”, diz Ciara O'Connell, gerente de insights do consumidor. “Precisávamos saber muito mais sobre o comportamento do consumidor online.”

Assim eles contrataram Robert Kozinets e seu time para um projeto de Netnografia. O objetivo deles era estudar como e porque as pessoas trocam receitas e histórias de sopa, analisando como essas experiências se encaixam em suas vidas diárias.

Robert Kozinets e colaboradores analisaram muito mais do que  os esforços de mídia social da empresa; analisaram também, de forma detalhada, uma vasta gama de interações em torno do planejamento de refeições e compartilhamento de receitas. Estudaram empresas competitivas do ramo de alimento e seus esforços. Localizaram e ouviram blogueiros, verificamos fóruns e grupos de notícias e ainda examinaram blogs de vídeo no YouTube. Com isso geraram um relatório completo sobre o impacto da marca, melhores práticas, oportunidades perdidas, esforços fracassados ​​e tendências principais.

Os resultados deram à Campbell's um conjunto de recomendações poderosas que ajudaram a empresa a criar uma nova versão responsiva do site. Como resultado percebeu-se que os visitantes únicos mensais dispararam de 120.000 antes do relançamento principal do site, em outubro de 2008, para mais de um milhão em janeiro de 2009, de acordo com QuantCast. O número, a profundidade emocional e a amplitude do tópico das interações também aumentaram. A empresa conseguiu transformar suas marcas em rotinas de planejamento de refeições, criando recursos online

https://www.campbells.com/

https://www.technologyreview.com/2010/10/14/199923/netnography-the-marketers-secret-ingredient/

A antropóloga Valéria Brandini dá um exemplo muito prático que nos ajuda a entender melhor a Netnografia.  Ela orientou pesquisa sobre o consumo vegano no Brasil, e diz que para entender o consumo vegano não basta entender o seu comportamento de compra; a análise vai para além disso. Há necessidade de se adentrar nessa cultura e entender os códigos de valores que estruturam a visão de mundo do vegano em relação à realidade. Segundo ela, precisamos ter o olhar do vegano, por exemplo, como eles enxergam os carnistas (sistema de crenças invisível, ideologia que justifica a matança de certas espécies de animais para consumo da sua carne), que elegem algumas espécies para comer e outras para ter como Pet. Precisamos entender o que tudo isso significa para o vegano e não o que significa para quem está por trás da pesquisa. “Eu só vou entender o Vegano quando eu souber qual o código de valores que levou essas pessoas ao princípio de escolha de uma ideologia alimentar. Antes de ser alimentar é uma ideologia que define uma visão de mundo”, diz Valéria.

Um outro bom exemplo que ela dá é análise do porquê as pessoas nos sites de compras na Internet, com grande frequência, enchem o carrinho de compras e depois o abandonam, sem efetuarem efetivamente a compra. Segundo a Valéria, nós precisamos entender qual a usabilidade que a pessoa vê nesse carrinho, pode ser que o carinho não seja um elemento de suporte para as compras, pode servir como uma lista de produtos que são selecionados em cada site, e o carrinho se tornou um marcador de produtos que são escolhidos para se tecer uma análise comparativa e então realizar a compra.

Esses são exemplos simples que a Netnografia pode trazer como ferramenta de análise para direcionar as nossas estratégias.

Valéria explica ainda que se você perguntar para uma pessoa por que que ela gosta de uma determinada coisa, ou por que ela se comporta de um determinado jeito, ou porque ela compra determinado produto, ela vai dar uma resposta que não necessariamente vai te permitir entender o que é esse gosto, ou o porquê dessa compra ou ainda o padrão desse comportamento. Segundo ela, as pessoas normalmente não têm consciência dos motivadores das suas ações, dos seus comportamentos e nem mesmo das suas percepções. No máximo elas vão responder o que, mas sem a consciência objetiva do porquê. Se a pessoa descrever os adjetivos que justificam a sua compra, como por exemplo:  bonito, chique ou irado, teremos que entender o que significam esses adjetivos dentro dos códigos de valores dela, dentro do grupo que participa. “Temos que entender para além do que ela pensa racionalmente, o que a move em direção a um produto ou a uma marca ou até mesmo o que a repele. Temos que imergir na relação dela com essa marca, empresa e categoria de produto”.  Segundo a Valéria.

É muito importante que possamos entender a diferença entre as análises, por exemplo, do Web Analytics ou Google Analytics em relação à Netnografia. O Google Analytics é uma ferramenta para monitoramento do site, onde são acumulados dados, o Web Analytics é análise de dados capturados através de uma ferramenta como o Google Analytics, mas essa análise fica aquém da análise profunda dos códigos e valores extraídos por um estudo de Netnografia. O que temos visto é a junção do analytics com a Netnografia, que é chamado de Thick Data:  É o resultado da colaboração entre cientistas de dados e antropólogos trabalhando juntos para dar sentido a grandes quantidades de dados. Juntos, eles analisam dados, procurando informações qualitativas como percepções, preferências, motivações e razões para comportamentos. Essas informações humanísticas permitem uma melhor tomada de decisões de negócios, bem como o desenvolvimento de produtos e serviços.

Esse texto tem apenas o objetivo de destacar e criar curiosidade sobre mais essa ferramenta que, bem usada, pode trazer informações ricas sobre padrões de comportamento, motivadores das ações e comportamentos e ainda as percepções dos clientes sobre uma determinada marca ou empresa.

 

¹A etnografia (do grego έθνος, ethno - nação, povo e γράφειν, graphein - escrever) é o método utilizado pela antropologia na coleta de dados. Baseia-se no contato inter-subjetivo entre o antropólogo e o seu objeto, seja ele uma aldeia indígena ou qualquer outro grupo social sob o qual o recorte analítico será feito.

²Antropologia: Conceito essencialmente semiótico, onde o homem é um animal a procura do significado amarrado a teias que ele mesmo teceu, sendo a cultura essas teias e sua análise (a antropologia) uma ciência interpretativa à procura do significado. GEERTZ, 1978

³Valeria Brandini é Cientista Social expert em Antropologia Empresarial (Consumo, Organizações, Digital), Comunicóloga e Semioticista. Graduada pela UNICAMP, Mestre e Doutora pela USP / Universitá La sapienza di Roma/Central Saint Martins Londres. Pós Doutora em Comunicação).


Denunciar publicação
    000

    Indicados para você